Texto I
Direito à fantasia
Frei Betto 05/08/2017 - 06h00
A fantasia é a matéria-prima da realidade. Tudo que é real, do computador ao jornal no qual
você lê este texto, nasceu da fantasia de quem criou o artigo, concebeu o computador e editou a
publicação.
A cadeira na qual me sento teve seu desenho concebido previamente na mente de quem a
criou. Daí a força da ficção. Ela molda a realidade.
A infância é, por excelência, a idade da fantasia. A puberdade, o choque de realidade. Privar
uma criança de sonhos é forçá-la a, precocemente, antecipar seu ingresso na idade adulta. E esse
débito exige compensação. O risco é ele ser pago com as drogas, a via química ao universo onírico.
As novas tecnologias tendem a coibir a fantasia em crianças que preferem a companhia do
celular à dos amigos. O celular isola; a amizade entrosa. O celular estabelece uma relação monológica
com o real; a amizade, dialógica. O risco é a tecnologia, tão rica em atrativos, "roubar" da criança o
direito de sonhar.
Agora, sonham por ela o filme, o desenho animado, os joguinhos, as imagens. A criança se
torna mera espectadora da fantasia que lhe é oferecida nas redes sociais, sem que ela crie ou interaja.
Na infância, eu escutava histórias contadas por meus pais, de dona Baratinha à Branca de
Neve e os sete anões. Eu interferia nos enredos, com liberdade para recriá-los. Isso fez de mim, por
toda a vida, um contador de histórias, reais e fictícias.
Hoje, a indústria do entretenimento sonha pelas crianças. Não para diverti-las ou ativar nelas o
potencial onírico, e sim para transformá-las em consumistas precoces. Porque toda a programação
está ancorada na publicidade voltada ao segmento mais vulnerável do público consumidor.
Embora a criança não disponha de dinheiro, ela tem o poder de seduzir os adultos que compram
para agradá-la ou se livrar de tanta insistência. E ela não tem idade para discernir ou valorar os produtos,
nem distinguir entre o necessário e o supérfluo.
Fui criança logo após a Segunda Grande Guerra. O cinema e as revistas em quadrinhos, em
geral originados nos EUA, exaltavam os feitos bélicos, do faroeste aos combates aéreos. No quintal de casa eu e meus amigos brincávamos de bandido e mocinho. Nossos cavalos eram cabos
de vassoura.
Um dia, o Celsinho ganhou do pai um cavalinho de madeira apoiado em uma tábua com quatro
rodinhas. Ficamos todos fascinados diante daquela maravilha adquirida em uma loja de brinquedos.
Durou pouco. Dois ou três dias depois voltamos aos nossos cabos de vassoura. Por quê? A
resposta agora me parece óbvia: o cabo de vassoura "dialogava" com a nossa imaginação. Assim
como o trapo que o bebê não larga nem na hora de dormir.
O direito à fantasia deveria constar da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Disponível em: http://hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/frei-betto-1.334186/direito-%C3%A0-fantasia-1.550900.
Adaptado. Acesso em: 18 jan. 2018.
Atente para os dois excertos abaixo, sobre os quais se seguirão algumas assertivas referentes a escolhas
morfossintáticas e semânticas feitas pelo autor. Anteponha-lhes V (verdadeiro) ou F (falso):
I - As novas tecnologias tendem a coibir a fantasia em crianças que preferem a companhia do celular
à dos amigos. O celular isola; a amizade entrosa. O celular estabelece uma relação monológica com
o real; a amizade, dialógica. O risco é a tecnologia, tão rica em atrativos, "roubar" da criança o direito
de sonhar.
II - A infância é, por excelência, a idade da fantasia. A puberdade, o choque de realidade. Privar uma
criança de sonhos é forçá-la a, precocemente, antecipar seu ingresso na idade adulta. E esse débito
exige compensação. O risco é ele ser pago com as drogas, a via química ao universo onírico.
( ) Em “O celular estabelece uma relação monológica com o real; a amizade, dialógica.”, o uso da
vírgula indicando elipse é crucial para a correta compreensão do enunciado. Da mesma forma, isso
ocorre em “A puberdade, o choque de realidade.”
( ) Em ambos os fragmentos, veem-se situações em que se justifica o emprego da vírgula para
separar termo(s) intercalado(s).
( ) No excerto II, temos o emprego da vírgula separando vocativo, que é termo discursivo de grande
relevância para a construção do enunciado.
( ) As aspas, presentes no fragmento I, têm por função chamar a atenção para um uso inadequado
do item lexical, no caso o verbo “roubar”.
( ) O uso da crase, no fragmento I, está adequado, pois permite identificar a elipse de um substantivo,
evitando-lhe a repetição. É uso equivalente ao que ocorre em “tutu à mineira”, “bife à milanesa”, entre
outras expressões afins, nas quais se identifica um substantivo elidido.
A sequência CORRETA, de cima para baixo é: