TEXTO I
SOBRE HIENAS E VIRA-LATAS
Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e
econômica do nosso país, os defensores de uma integração
dependente do Brasil na economia internacional estão
lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do
ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e
o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas
estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás. Em vez de
atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento
empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a
responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais
preferem investir contra os poucos instrumentos
de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém. A
estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da
economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o
Brasil se insere na economia mundial.
Três linhas de ação têm sido perseguidas. Uma já faz parte
do antigo receituário de boa parte dos comentaristas em
matéria econômica: o Brasil deveria abandonar a sua
preferência pelo sistema multilateral (representado pela
Organização Mundial do Comércio) e dar mais atenção a
acordos bilaterais com economias desenvolvidas, seja com a
União Europeia, seja com os Estados Unidos da América. O
refinamento, não totalmente novo, é o de que, para chegar a
esses acordos, o Brasil deve buscar a “flexibilização” do
Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma
união aduaneira. Sem perceber que a motivação principal da
integração é política – já que a Paz é o maior bem a ser
preservado – os arautos da liberalização, sob o pretexto de
aumentar nossa autonomia em relação aos nossos vizinhos,
facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade
empurrarão os sócios menores (não em importância, mas em
tamanho) para os braços das grandes potências. É de esperar
que não venham a reclamar quando bases militares
estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.
O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em
gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica,
consiste em tornar o Brasil membro pleno da OCDE, a
organização que congrega primordialmente economias
desenvolvidas. Essa atitude contraria a posição de
aproximação cautelosa seguida até aqui e que nos tem
permitido participar de vários grupos, sem tolher nossa
liberdade de ação. A lógica para a busca ansiosa pelo status
de membro pleno residiria na melhoria do nosso rating junto
às agências de risco, decorrente do nosso compromisso com
políticas de investimentos, compras governamentais e
propriedade intelectual (entre outras) estranhas ao modelo
de crescimento defendido por sucessivos governos
brasileiros, independentemente de partidos ou de ideologias.
O ganho no curto prazo se limitaria, se tanto, a um aspecto
de marketing, e seria muito pequeno quando comparado
com o custo real, representado pela perda de latitude de
escolha de nossas políticas (industrial, ambiental, de saúde,
etc.).
Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da ofensiva
pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de
Livre Comércio das Américas, cujas negociações chegaram a
um impasse entre 2003 e 2004, quando ficou claro que os
EUA não abandonariam suas exigências em patentes
farmacêuticas (inclusive no que tange ao método para a
solução de controvérsias) e pouco ou nada nos ofereceriam
em agricultura. A Alca, tal como proposta, previa não apenas
uma ampla abertura comercial em matéria de bens e
serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial,
mas também regras muito mais estritas e desfavoráveis aos
nossos interesses do que as que haviam sido negociadas
multilateralmente (isto é, no sistema GATT/OMC), inclusive
por governos que antecederam ao do Presidente Lula. Tudo
isso, sob a hegemonia da maior potência econômica do
continente americano (e, por enquanto pelo menos, do
mundo).
Medidas desse tipo não constituem ajustes passageiros.
São mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam
profundamente o caminho de desenvolvimento que, com
maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram
trilhar. Os que propugnam por esse redirecionamento de
nossa inserção no mundo parecem ignorar que mudanças
desse porte, sem um mandato popular expresso nas urnas,
seriam não só prejudiciais economicamente, mas
constituiriam uma violência contra a democracia.
Evidentemente nosso governo não se deixará levar por
pressões midiáticas, mas até alguns ardorosos defensores de
um Brasil independente e soberano podem não ser de todo
infensos a influências de intelectuais que granjearam alguma
respeitabilidade pela obra passada. Daí a necessidade do
alerta: “intelectuais progressistas, preparai-vos para o
debate”. Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões
acadêmicos ou nos corredores palacianos. Terá que ir às ruas,
às praças e às portas de fábrica.
(Texto de Celso Amorim, Carta Maior - 14 de abril de 2015)
É correto afirmar que: