Texto 1
A possibilidade da invenção de doenças mentais
Por Camila Appel
“Infelizmente propaga-se por aí uma falácia”. Esse foi o início de um e-mail recebido de uma leitora
indignada com o post “Mitos sobre o Suicídio”, criticando o artigo por “simplesmente reproduzir dados
transmitidos por uma indústria farmacêutica apenas interessada em vender mais remédios”, como ela
colocou.
Essa linha de raciocínio parte do pressuposto de que doenças podem ser “inventadas” e que os
manuais de categorização de doenças mentais, como o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais) e o CID (Classificação Internacional de Doenças, uma publicação da
própria OMS – Organização Mundial da Saúde) são definidos por psicólogos e psiquiatras ligados
financeiramente a empresas farmacêuticas (que financiam suas pesquisas, por exemplo).
Para o psicanalista Eduardo Rozenthal, isso é possível, sim, porque vivemos numa sociedade
contemporânea monista, baseada em apenas um valor, que é o valor capitalista de mercado. Ela substitui a
sociedade moderna, que era dualista, oscilando entre o bem e o mal. “Todas as práticas humanas se
mobilizam em direção ao maior valor da cultura, que é o valor de mercado. Isso é automático. Não se
trata de nenhuma ‛teoria da conspiração‟. Somos seres moldados pela cultura em que vivemos”,
Rozenthal diz.
Para o psicólogo Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, “doenças inventadas” podem ocorrer
como fruto de erros e não de más intenções. Ele também diz ser perigoso falarmos de maneira tão
categórica sobre a relação entre estudos psiquiátricos de transtornos mentais e o objetivo de se ofertar
algo para aquecer o mercado farmacêutico. Haveria equívocos em estudos e classificações, assim como a
hipermedicalização da vida, mas isso diria muito mais sobre quem recebe os resultados dos estudos e
medica seus pacientes a partir deles, do que sobre quem os produziu.
Sarkis diz estar certo de que boa parte dos estudiosos sobre os transtornos mentais estão efetivamente
acreditando – talvez mais piamente do que devessem – naquilo que estão fazendo, dedicando-se e
confiando em suas descobertas. “O que guia a ciência, hoje e sempre, é a dúvida, o questionamento.
Quando a ciência vira ou é vista pelas pessoas como uma indústria de produção de verdades, um guia
absoluto, temos um problema.”.
O psiquiatra norte-americano Leon Eisenberg (1922-2009) é considerado o pai do Transtorno do
Deficit de Atenção com ou sem Hiperatividade – TDAH. Segundo reportagem do “The New York
Times”, “nos seus últimos anos de vida, ele teria ficado alarmado com as tendências no campo que ajudou
a criar, criticando o que ele viu como uma “confortável” relação entre o mercado de remédios e os
médicos e a crescente popularidade do diagnóstico do deficit de atenção”. O semanário alemão “Der
Spiegel” trouxe uma reportagem de capa, em 2012, com uma declaração bombástica de que Eisenberg
teria dito que o TDAH é uma doença inventada. (...)
Entre outras informações importantes da matéria, tem o fato de Eisernberg mencionar que o
componente genético da doença foi superestimado e afirmar que “psiquiatras infantis deveriam investigar
as motivações psicossociais que possam causar os sintomas da doença, como verificar se existem
problemas de relacionamento na família, se os pais vivem juntos ou se estão brigando muito, por
exemplo. São questões importantes, mas demandam muito tempo para serem respondidas. Sendo assim, é
mais fácil simplesmente medicar”. (...)
Rozenthal diz receber muitos pais em consultório imaginando que seu filho tem a doença e muitas
vezes já fazendo uso de medicação como a Ritalina. Ele não se coloca contra remédios, mas, sim, contra a
medicalização hegemônica da sociedade, ou seja, o excesso de medicação que hoje se prescreve: “você dá
a medicação e não trabalha com a subjetividade. É mais rápido e mais fácil, mas a longo prazo não serve.
Se tirar a medicação volta tudo”. (...)
Disponível em: http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/2015/02/26/a-possibilidade-da-invencao-de-doencas-mentais/
Acesso em: 04 ago. 2017. Adaptado.
Acerca do emprego de algumas formas verbais no Texto 1 e suas repercussões nos sentidos do texto,
analise as afirmativas a seguir.
I. No trecho: “Esse foi o início de um e-mail (...) criticando o artigo (...)” (1º parágrafo), a forma verbal
destacada poderia ser substituída pela estrutura de valor adjetivo “que criticava”, sem alteração
relevante dos sentidos pretendidos.
II. No trecho: “Ela substitui a sociedade moderna, que era dualista, oscilando (3º parágrafo) entre o bem
e o mal.”, a forma verbal destacada indica tratar-se de uma ação ainda em andamento.
III. No trecho: “doenças inventadas‟ podem ocorrer como fruto de erros e não de más intenções.” (4º
parágrafo), a forma verbal destacada foi empregada para indicar que a ação expressa no verbo
“ocorrer” é um acontecimento inevitável.
IV. No trecho: “Haveria equívocos em estudos e classificações, assim como a hipermedicalização da
vida, mas isso diria (...)” (4º parágrafo), a seleção das formas verbais destacadas indica que o falante
pretende evitar afirmações contundentes que possam comprometê-lo.
Estão CORRETAS, apenas: